O romance policial apresenta o crime como violação da lei percebida quer como uma transgressão do código moral, despreocupadamente feito universal, quer literalmente como a transgressão das leis (regras) que garantem o funcionamento das sociedades ocidentais. No «whodunit» clássico o confronto entre as forças da lei (os polícias, o detective, um cidadão consciencioso) e o/os criminoso(s) resulta sempre no castigar desses últimos. A polarização clara do Bem e do Mal leva a uma purificação -tem um efeito catártico- sustentando um conceito conservador da culpa em que o sentido da culpa colectiva é rejeitado em favor da culpa singular atribuida a uma pessoa ou a um grupo de pessoas e cujo motivo resulta de um impulso pessoal isolado. A explicação das razões que motivaram o crime nunca envolve o questionamento do sistema social como fonte possível do problema. Assim, com cada caso, afirma-se e mantém a ordem social existente.18 O romance policial de pós-guerra deixa de ser tão maniqueísta reflectindo, de certa forma, a crise de valores e o ambiente da dúvida moral. Os polícias podem ser corruptos, as leis injustas, a motivação do crime pode ter várias interpretações. Entra-se também em combinações complexas: um polícia honesto entra numa aliança com um criminoso para denunciar os seus colegas corruptos; um criminoso menos sério (um con-man) transforma-se num homem da lei para castigar um assassino, e assim por diante.
Um dos exemplos mais recentes e mais extremos, talvez, desse apagar de fronteiras entre o Bem e o Mal é o super-popular filme (e livro) «O Silêncio dos Inocentes» («Silence of the Lambs»). Basta salientar somente a figura de Hannibal the Cannibal, doutor Lecter, que combina em si as mais tradicionais e repugnantes características do Mal -como a preferência de matar e depois comer as suas víctimas a sangue frio- com a sensibilidade artística e perspicácia intelectual do mais «civilizado» dos protagonistas. Apesar deste e de outros elementos inovadores (como, por exemplo, o tema do canibalismo psicológico que domina no filme) «O Silêncio dos Inocentes» mantém-se fiel ao género nos aspectos mais básicos: há crime, a sua explicação e, apesar de ser parcial, também punição. No entanto, os romances que se propõe analisar aqui, Balada da Praia dos Cães de José Cardoso Pires e Adeus, Princesa de Clara Pinto Correia, abrem novas pistas para o desenvolvimento ou, antes, transformação do romance policial.
Denise e Maria José
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